terça-feira, 28 de outubro de 2008

Escrevi este texto pra Oficina que estou fazendo:

524 Botafogo
Sexta feira, 16h, Barra da Tijuca. Olivia hoje está com tempo. Aproveitando o dia claro ela sai com calma, mas atravessa as quatro avenidas para chegar até o ponto rapidamente. Afinal, nada mais chato que não conseguir passar a quarta pista e ver o 524 BOTAFOGO passando sem ela dentro. Os carros parecem estar em um autódromo – correm por correr. O barulho impede qualquer um de raciocinar direito e vai, lenta e imperceptivelmente, levando as pessoas à loucura. Pra lá e pra cá, todos ali são parte do movimento quase mecânico do dia-a-dia: sai, atravessa, espera, chama, sobe, senta, sobe, desce, chega. Todo dia.
Ela senta no ponto e pronto: se prepara para a meia-hora mais longa e indesejada do seu dia, a do confinamento, a da espera pelo ônibus. Datáo, Passarela da Rocinha, Itanhangá, Castelo, Rio das Pedra. Datáo, Passarela da Rocinha, Itanhangá, Castelo, Rio das Pedra. Olivia nunca entendeu porque existe tanta opção pro Alto, tanta por Ipanema e só uma pro Jardim Botânico. Nem van existe pro Jardim Botânico. Jardim Botânico é praticamente um bairro excluído, principalmente por aqueles que oferecem carona - aos outros, claro, porque o Jardim Botânico nunca é caminho - e Olivia sabe disso como ninguém.
16:45. Dentro do 524, todo mundo é rival. Aquele único lugar que acabou de vagar é de quem? De que está mais perto, de quem olhou primeiro ou daquele que entrou antes? Vai saber... Ela cede o lugar pra uma senhora que acaba de entrar (antes a irritação de mais 45 minutos em pé que dois anos de culpa por não ter cedido o lugar). E não existe justiça – se ficar em pé, não haverá milagre que faça um lugar aparecer. E, se aparecer, certamente não será ela quem sentará. Olivia vai vendo o trânsito, lembrando de quando isso tudo começou, no início da faculdade... Lá de dentro, vai acompanhando o sol se pôr. “Ela era uma muquirana, a patroa parecia praga, me sugava e não dava nada que prestasse!”, a mulher que acabou de entrar faz todos participarem da sua conversa. Mas, dentro do 524, poucas pessoas querem conversa. As caras não negam. Todos estão muito mais interessados nos seus próprios mundos. Olivia não é diferente. No seu mundo, pensa nele. Pensar nele já havia virado redundância. Ela mergulhava nesses pensamentos. Saboreava, devagarzinho, lembrança por lembrança, detalhe por detalhe.
Chega. Levanta e vai driblando todo obstáculo humano, a massa é impossível de atravessar. Salta. Pela rua, aperta o passo, quer logo chegar em casa. O Belmonte sugere uma cervejinha, mas ela segue. Subindo a Rua Faro, o Jóia a convida, ela vira, mas segue adiante também, ainda precisava chegar em casa pra sair mais uma vez. Boa noite, Aloisio. Boa noite, Tião. 21 anos subindo a mesma rua.
Pra Lagoa, seu Antônio. Dentro do táxi, finalmente se acalma. Nada melhor que ser conduzida no conforto. Salta, sobe, vira, entra na sala 2.